domingo, 4 de maio de 2025

Varejo e empregos devem desacelerar em 2025, avalia economista da CNC

O Brasil convive há meses com um cenário de inflação em disparada, puxada pela alta dos preços dos alimentos. O quadro tem provocado retração no consumo e mudanças nos hábitos dos brasileiros, fatores que impactam diretamente as vendas do varejo e o mercado de trabalho, os quais devem crescer menos do que em 2024. “Para 2025, a tendência é de crescimento [do varejo] mais tímido, entre 1% e 2% [frente a quase 4% em 2024]. No comércio, a perspectiva tanto para as contratações quanto para as vendas é de desaceleração”, analisa Fábio Bentes, economista sênior da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Bentes falou das expectativas quanto à inflação para 2025, das preocupações com o aumento de impostos para o setor de serviços diante das mudanças trazidas pela Reforma Tributária e das possibilidade de novas parcerias que o Brasil pode estabelecer frente à guerra tarifária imposta pelos Estados Unidos a importantes mercados do mundo. Confira:

Como você está acompanhando os rumos da inflação, que disparou nos últimos meses?

De fato, a inflação tem preocupado nos últimos meses, especialmente a de alimentos. Embora os preços desses produtos sejam predominantemente livres, regulados pelas forças de oferta e demanda do mercado, a gente costuma dizer que alimento é quase uma tarifa, porque não dá para adiar esse tipo de consumo. Tem alimentos, inclusive, que são insubstituíveis. Isso cria um obstáculo para o crescimento do comércio de um modo geral. E como isso atrapalha a economia no futuro? A autoridade monetária tem por obrigação legal combater a inflação – na verdade, trazê-la para perto das expectativas. Este ano, a taxa de juros vai bater 15%. Historicamente, nós sabemos que sempre que os juros sobem, a atividade econômica se retrai ou desacelera. Esse é o principal problema da inflação, ao mesmo tempo em que ele é maior para quem tem renda menor. A disparada de preços afeta mais o poder de compra da população das classes econômicas inferiores, à medida em que a população mais rica tem capacidade de investimento. Então, uma inflação baixa, na realidade, não é apenas um fetiche de economista, é também um cenário de efeitos positivos para a população, especialmente, a de renda mais baixa.

Quando se fala em alimentação, é impossível para a população abrir mão de alguns itens. Quais mudanças você observa que os consumidores estão se propondo a fazer por causa da inflação?

De um modo geral, hoje a economia brasileira é um pouco mais aberta. Então, a alta do preço de um bem de consumo durável, de um eletrodoméstico, por exemplo, muitas vezes leva o consumidor a importar, através do cross-border [comércio transfronteiriço], das plataformas asiáticas, o que deve fomentar o chamado imposto das blusinhas. No caso dos alimentos, isso é muito mais difícil de fazer, porque o alimento é considerado um bem ‘non tradable’, ou seja não comercializável. Nós ficamos muito ao sabor da oferta desses produtos no Brasil. Como o clima está mudando muito rapidamente, é cada vez mais difícil fazer previsões, então, estamos sujeitos a choques de preços de maneira mais frequente daqui em diante. Em alguns casos, é possível mudar, buscar marcas ou comprar pelo atacarejo, por exemplo. O próprio comércio precisa se adaptar para, às vezes, oferecer uma embalagem menor, já que o consumidor não terá condições de levar a embalagem tradicional. A boa e velha pesquisa de preços continua sendo uma boa opção e aí o cliente faz as substituições na medida do possível. Agora, se o item não é substituível, o consumidor acaba sacrificando outro bem. A gente costuma dizer que alimentos, combustíveis e medicamentos têm uma demanda que não pode ser esticada. O preço sobe, mas as pessoas acabam tendo que consumir, porque são produtos de primeira necessidade.

Diante desse quadro inflacionário, de que forma o varejo vai se comportar este ano? É um modelo que deverá crescer?

O varejo vem de um ano muito bom, com um crescimento perto de 4% em 2024, algo que não era visto há quase 10 anos, desde a crise de 2015-2016. Para 2025, a tendência é de um crescimento mais tímido, primeiro porque a base de comparação é maior, com a forte alta do ano passado. Segundo, porque os juros vão subir e uma parte do varejo depende de crédito – vestuário, imóveis, eletrodomésticos, automóveis, tende a sofrer um pouco mais esse ano. Alguns setores provavelmente devem registrar retração. Mas, na média, o varejo terá um crescimento baixo, entre 1% e 2%.

Vamos falar agora de Reforma Tributária. Quais pontos, na sua avaliação, são positivos, e quais são negativos?

Dentre os pontos positivos, eu destaco a simplificação. Nosso sistema é muito caótico, um verdadeiro manicômio tributário. Ninguém sabe o que está pagando nem quanto está pagando, o que gera multa para as empresas. Nós precisávamos realmente buscar um sistema mais simples. Com o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), essa simplificação é possível. O aspecto negativo é que a reforma vai gerar um problema distributivo entre os setores. A indústria vai pagar menos imposto, o agro irá pagar um imposto um pouco maior, ao passo que o serviço terá um imposto bem maior. A proposta de IVA para o setor de serviços é muito alta [em média, a carga tributária paga hoje de 16% a 17%, enquanto a nova alíquota é estimada em cerca de 26,5% a 28,5%]. O Brasil já é o País que mais tributa consumo no mundo. Uma alíquota de 28% como estão propondo, é altíssima, enquanto nossos concorrentes – os países em desenvolvimento – praticam alíquotas, muitas vezes, inferiores a 15%. Então, por mais que haja benefícios para determinados setores ou para determinados produtos, vai haver aumento de imposto, principalmente para os serviços. Além disso, não será possível utilizar mão de obra, o principal custo do setor, para abater imposto, o que significa o pagamento de uma alíquota efetiva maior. Isso preocupa, porque os serviços são o principal empregador da economia, em um momento em que a tecnologia avança a passos largos e desestimula novas contratações.

Como vai se comportar o comércio em termo de criação de postos de trabalho? Vai conseguir contratar mais?

O comércio também vem de um ano bom em termos de contratação, porque acompanha o ritmo das vendas. A perspectiva, tanto para as contratações quanto para as vendas, é de desaceleração ao longo de 2025. Em alguns setores, pode haver queda. Esse é um cenário muito semelhante ao do varejo. Não significa que haverá mais demissões do que contratações, mas haverá uma maior cautela. O custo para contratar no Brasil é alto e os encargos em folha são elevadíssimos. Então, o empresário pensa duas vezes na hora de abrir mais vagas, afinal, ele precisa ter certeza de um bom crescimento antes de efetivar novas admissões.

Quais são as expectativas para a inflação no curto prazo?

Provavelmente, vamos fechar 2025 em 5%, o que não é bom. Não é pouca coisa, principalmente se levarmos em conta que a meta estabelecida é de 3% e o ideal é que encerrássemos com um índice mais próximo disso. Sem falar que qualquer erro ou acidente de percurso até o final do ano vai acelerar ainda mais esse cenário de inflação.

A guerra tarifária dos Estados Unidos pode se converter em um estímulo para o Brasil buscar outros parceiros?

Acredito que a alternativa vai passar por esse caminho mesmo, até porque o governo americano já está colhendo resultados negativos das próprias ações. Esta semana foram divulgados os dados do PIB [Produto Interno Bruto], com uma queda de 0,3% nos EUA no primeiro trimestre do ano. Para os cidadãos e empresários que apoiaram [Donald] Trump, isso é algo bastante decepcionante, porque o americano tem um hábito de consumo bastante acelerado, assim como o brasileiro, com a diferença de que o poder aquisitivo de lá é muito maior. O resultado já está causando estragos na economia dos Estados Unidos. O Brasil, até agora, tem adotado uma postura cautelosa, sem se expor à metralhadora de tarifas disparada contra uma série de países. A tendência é de que o governo [brasileiro], se tiver uma atuação inteligente e estratégica, vai conseguir estabelecer acordos de comércio mais vantajosos com esses mercados, especialmente os asiáticos, os quais não podem vender para os EUA nem jogar produtos fora. Em função disso, esses mercados vão comercializar com vários outros parceiros. O Brasil, obviamente, pode tirar bastante proveito desse cenário.

QUEM

Fábio Bentes é economista sênior da CNC, responsável pelo acompanhamento macroeconômico com foco no consumo de bens, serviços e seus condicionantes. Além de mestre em Ciências, Economia e Econometria pela Universidade de Essex, no Reino Unido, ele possui mestrado profissional em Economia e Economia Aplicada pelo Ibmec, além de Estudos Avançados em Econometria, também pelo Ibmec. Foi Professor assistente do Programa de Mestrado em Economia das Faculdades Ibmec.

Tribuna do Norte

Nenhum comentário:

Postar um comentário