Era 28 de agosto de 2020
quando duas irmãs, uma tia e uma amiga deixaram Mossoró rumo à Natal para um
passeio em família. O que era para ser um passeio tornou-se uma tragédia: o
carro em que a família vinha se envolveu num acidente com outro veículo, na cidade
de Santa Maria, resultando na morte das quatro jovens. O condutor ficou
gravemente ferido e chegou a sobreviver. Esse foi apenas um dos 1.624 acidentes
registrados na BR-304, uma das principais estradas federais que cortam o Rio
Grande do Norte, e que há anos aguarda um projeto de duplicação. Foram 134
mortes em cinco anos. A BR-304 no RN tem média de um acidente por dia e uma
morte a cada duas semanas.
As jovens eram da família da
dona de casa Eva Cristina de Almeida Medeiros, de 45 anos. Ela mora na
comunidade Maísa, pertencente a Mossoró. Ela lembra que as duas filhas e sua
irmã, Evelyn Raiane Medeiros, Maria Izabel, e Izabel Medeiros, acompanhadas da
amiga, Rayanne Silva, estavam empolgadas com o passeio e comenta que precisou
se apegar à fé para superar a dor da perda.
“Tenho tido muita força de
Deus. Agora em agosto completou-se três anos. Um período muito difícil sem elas
aqui em casa. Éramos uma família muito unida. É difícil, mas como eu disse:
Deus tem me sustentado”, explica. “É um pouco doloroso falar disso, mas não é
difícil. Adoro lembrar das minhas filhas, das boas recordações delas”, disse.
Uma das filhas tinha 20 anos e
havia sido contratada recentemente para trabalhar numa empresa agrícola na área
administrativa. A outra filha, com apenas 15 anos, também tinha sonhos e já
dava os primeiros passos no mercado de trabalho como jovem aprendiz.
“Faz muito tempo que a gente
ouve falar dessa obra. Não foram só a vida das minhas filhas que foram
destruídas, foram sonhos também. O que a gente pode pedir é alertar as
autoridades sobre a duplicação dessa rodovia. Entra e sai político, fazem as
promessas e não cumprem”, comenta.
A dor da perda de um parente
se estende a outras famílias potiguares. É o caso do perito criminal Clelio
Soares, 37 anos, que perdeu seu filho, Gabriel, de 6 anos durante uma viagem de
Natal à Mossoró.
“Meu ativismo pela duplicação
começou infelizmente após uma tragédia, depois de muita dor. Gabriel tinha 6
anos no acidente. O motorista fez uma ultrapassagem num trecho proibido,
colidindo com meu carro de frente. Ele não resistiu aos ferimentos e faleceu
horas depois no hospital de Angicos”, disse.
A dor do luto se transformou
em luta, segundo Clelio. Atualmente, ele e sua esposa, Aniely Soares, 34, são
dois dos principais ativistas que cobram a duplicação da BR-304. Juntos, eles
administram o perfil do Instagram “Luto na BR-304”, com o intuito de conscientizar
a sociedade e a classe política para priorizar o projeto para ampliação da
rodovia.
“Iniciei essa campanha após
perceber que muitas pessoas haviam perdido parentes em acidentes na BR-304.
Criamos esse perfil, em que as pessoas já reconhecem, mandam informações e se
juntam à luta. Eu entendo que essa obra ainda não ter saído do papel é falta de
força política, isso de todos os lados, porque uma obra como essa ela vai
trazer muitos benefícios, como segurança viária, desenvolvimento regional,
turismo, escoamento de produção, economia. Minha preocupação são as vidas,
porque quando alguém morre não dá para trazer de volta”, lembra.
“Estamos vendo que depois
desse trabalho nas redes sociais, mostrando na mídia a importância da
duplicação, as coisas começaram a andar. Há três anos sequer tínhamos
perspectivas de que isso fosse acontecer. E de um ano para cá foi colocado a
produção do projeto com rubrica própria do Dnit e agora está se buscando o
dinheiro para pagar a obra”, complementa Clélio Soares.
Casos
Uma rápida pesquisa na internet e é possível encontrar inúmeros casos de
pessoas que sofreram acidentes, alguns deles fatais. Dados da PRF mostram que a
BR-304 tem média de quase um acidente por dia e uma morte a cada duas semanas.
O cálculo foi feito pela da TRIBUNA DO NORTE a partir de dados enviados à
pedido do jornal pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), tabulados entre 2018 e
30 de setembro de 2023. Em cinco anos e meio, foram 1.624 acidentes e 134
mortes. Os dados mostram os perigos da via para acidentes, tornando ainda mais
urgente e sensível a obra da duplicação da rodovia, aguardada há anos pelos
potiguares.
Segundo os dados da PRF, entre
2018 e 2022, a média de acidentes é de 292,8 por ano. Já no tocante a óbitos, a
média chega a 24,2 mortes por ano por acidentes causados na rodovia. Um desses
casos recentes aconteceu em setembro deste ano. Um ônibus intermunicipal bateu
de frente com uma carreta já na chegada para a BR-304, na Grande Natal, no
trecho da Reta Tabajara. Neste local, foram 108 acidentes e 7 mortes entre 2018
e até setembro de 2023.
Duplicação não tem recursos garantidos no PAC
Na semana passada, o ministro
dos Transportes, Renan Filho, esteve em Natal para o lançamento das obras do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 3), e disse que disse que a obra da
BR-304 será dividida em quatro lotes, em que dois destes estariam garantidos no
PAC. Segundo o ministro Renan Filho, os dois lotes garantidos no PAC referem-se
ao da saída de Natal até Lajes e outro da chegada à Mossoró. Os trechos do meio
ainda não têm recursos garantidos.
No entanto, o ministério dos
Transportes enviou nota à TRIBUNA DO NORTE onde afirma que apenas a elaboração
de estudos sobre a obra têm recursos garantidos, já que o custo de cada lote e
que as previsões orçamentárias só serão conhecidos após a elaboração do
projeto.
“Em agosto deste ano, o
Ministério dos Transportes, por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura
de Transportes (DNIT), contratou a execução do projeto para duplicação dos
quase 300 quilômetros de rodovia, entre Macaíba, no entroncamento com a BR-226/RN,
e a divisa com o Ceará. A elaboração dos estudos está prevista no Novo PAC.
Após a finalização do documento, será possível estimar o custo de cada lote e,
na sequência, fazer a devida previsão orçamentária”, diz nota do Ministério dos
Transportes.
A informação repassada pelo
Ministério diverge do que vem sendo anunciado sobre a duplicação. A duplicação
fez parte do rol de ações anunciadas quando do lançamento nacional do PAC 3. O
Governo do Estado também afirma que a obra estaria orçada em R$ 3 bilhões.
Construída na década de 1960,
a BR-304 tem 391 quilômetros de extensão, de Natal/RN a Beberibe/CE. Dos 289 km
em território potiguar, só o trecho entre Parnamirim e Macaíba está duplicado.
Outro trecho, de Macaíba ao entroncamento com a BR-226, encontra-se em fase
final de duplicação, totalizando 37 quilômetros. A BR-304 é o principal eixo
rodoviário do Estado, responsável pela conexão com as principais rodovias
estaduais e as demais federais, permitindo acesso às mesorregiões Agreste,
Oeste e Central.
Para Alexandre Pereira,
engenheiro civil e professor do IFRN, é urgente realizar a duplicação da
BR-304, tendo em vista o alto número de acidentes. “A perda de vidas e as
elevadas estatísticas de acidentes graves consiste no mais dramático efeito
negativo de se protelar investimentos na adequação de capacidade e eliminação
de pontos críticos nas rodovias. Com a adequação de capacidade e duplicação da
rodovia os níveis de serviço e melhoria na condição de segurança viária
certamente conduzirão à redução nos índices de acidentes na BR-304/RN desde
que, evidentemente, o usuário da via duplicada respeite os limites de
velocidade definidos no projeto de engenharia e conduza de forma responsável e
com atenção para com a sinalização, notadamente nos trechos de travessia
urbana, que são vários na rodovia, tais como as cidades de Santa Cruz,
Riachuelo, Lajes e Assu, dentre outras”, diz.
Tribuna do Norte
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