A organização Juventudes
Potentes divulgou nesta terça-feira (6) os resultados de uma pesquisa que
buscou investigar o que jovens da capital paulista entendem por injustiças
estruturais. Uma das constatações foi a de que nove em cada dez deles acreditam
que há um processo de desigualdades históricas que atinge pessoas e grupos e as
mantêm em vantagem, na comparação com outras parcelas da sociedade.![]()
![]()
Ao todo, foram entrevistados
600 jovens das zonas sul e leste da cidade, com idade entre 15 e 29 anos, sendo
que 71% dos participantes da pesquisa se autodeclararam negros. O período
de coleta de respostas foi de dezembro de 2022 a abril de 2023. O processo de
pesquisa foi participativo do começo ao fim, já que foi também um grupo de
jovens, chamado de jovens pesquisadores, que pensou em como
poderia extrair melhor as respostas dos demais e que, por isso, ficou
responsável por formular as perguntas do questionário.
Até a semana passada, a
organização se chamava Global Opportunity Youth Network - São Paulo. A mudança
de nome busca estabelecer "uma conexão direta com juventudes
historicamente excluídas de oportunidades dignas de formação e trabalho",
de acordo com informações divulgadas no site da organização.
Além de sondar as impressões
dos jovens sobre o assunto central, a pesquisa permitiu que se conhecesse mais
acerca das condições em que vivem. Para um quarto dos entrevistados, faltam
água (26%) e energia (25%) com frequência, em suas casas, e um quinto (19%)
mora em lugares que se tornam, constantemente, pontos de alagamentos. Os negros
foram maioria entre os que relataram tais situações.
A jovem pesquisadora Karina
Inácio, negra e da comunidade Vila Bela, vivencia essa situação, diariamente.
"Ontem mesmo faltou água e eu precisava tomar banho para ir à
faculdade", contou ela, que é a terceira de sua família a cursar uma
graduação. "A água é desligada à meia-noite e só volta às 6h da
manhã."
Obstáculos à educação e carreira
Karina vive em um lugar que
sofre com o abandono do poder público, mas, por meio de sua fala, o que se
percebe é que passou, para realizar entrevistas, por locais de moradia ainda
mais precários, com pontes improvisadas interligando passagens de pedestres.
Ela destaca o contraste entre a realidade de um jovem de Vila Mariana e uma
jovem de Cidade Tiradentes, com os quais conversou. A jovem, lembra Karina,
tinha 22 anos e dois filhos e estava desempregada, tendo como única fonte de
renda a remuneração do companheiro, de um salário mínimo.
A paternidade e a maternidade
precoces e como esses contextos impactam os planos de estudo e profissão foram
outros aspectos que a pesquisa capturou. Pelas respostas, identificou-se que
38% têm filhos, sendo que 37% tornaram-se pais de atingir a maioridade. Outro
dado que se levantou é que 56% dos jovens que tiveram filhos antes dos 18 anos
estudaram somente até o ensino fundamental, o que evidencia como a
responsabilidade de se tornar pai ou mãe muito cedo os impede de conciliar a
tarefa com o estudo.
No campo da educação, a
pesquisa traz informações relevantes, como a proporção de jovens que já cogitou
largar os estudos de forma definitiva, que chega a 44%. No total, 21% disseram
ter, de fato, interrompido os estudos.
Ao se ler os gráficos do
levantamento, nota-se uma relação entre a disposição para se continuar
frequentando a escola e o trabalho infantil ou o trabalho iniciado cedo. A
parcela dos jovens que declararam estar trabalhando, atualmente, é de 64% e a
dos que começaram a trabalhar antes de fazer 16 anos de idade é de 42%. A
maioria (72%) já trabalhou e estudou ao mesmo tempo e 38% não conseguem
concluir sua formação ou estudar, por não terem tempo disponível. Apesar das
dificuldades, 78% dos jovens afirmaram que pretendem continuar ou retomar os
estudos.
A hostilidade contra os jovens
de periferia permanece sendo um problema. Quase metade dos que responderam ao
questionário (46%) sofreu preconceito e/ou discriminação das empresas onde
trabalharam, por causa de sua origem. Nisso, o empreendedorismo aparece como
uma alternativa, uma espécie de refúgio. Uma parcela de 72% disse que teria uma
empresa própria, se tivesse condições. Simultaneamente, a noção de que a
informalidade no mercado de trabalho é um mau negócio está presente, já que, na
percepção da maioria, a carteira assinada é associada ao que veem como uma boa
vaga de emprego.
Racismo e LGBTQIA+fobia
Alimentar o sentimento de
pertencimento, diante de tantos obstáculos, pode ser um desafio, sobretudo
quando há mais de um marcador social, como é o caso da comunidade LGBTQIA+.
Para 80% dos jovens da pesquisa que se encaixam nela, a saúde mental anda
"mais ou menos" ou "ruim".
Do mesmo modo, o racismo segue
segregando, inclusive na escola, como coloca o jovem José Ricardo Paiva, membro
desde 2021 do coletivo Encrespados, que desenvolve ações antirracistas e
foi fundado em 2015.
"A escola, sendo o
primeiro espaço formal de ensino e sendo um reflexo de sociedade, também é um
espaço em que vivenciamos as primeiras violências, porque a escola, como um
ambiente formal e estruturado, também faz parte dessa estrutura que acaba
violentando determinados corpos, gêneros, etnias", afirma.
"Aí, a gente pensa, o que
a gente faz para tentar amenizar um pouco dessas dores que esses corpos vêm
sofrendo ao longo de toda a sua vida? Porque o lugar onde você nasce, a sua
cor, a sua orientação [sexual], o seu gênero são determinantes para o seu
trajeto e acho que a gente tem que admitir isso. A primeira etapa para você
trabalhar uma educação antirracista é você reconhecer essa estrutura. Se você
olha para esses dados e eles não falam sobre a sua realidade, eles falam sobre
a realidade de alguém. E aí, a gente precisa olhar: quem é esse alguém? Onde
eles estão? Estão na margem da cidade."
Apesar dos obstáculos, 74% dos
jovens afirmaram se sentir parte da cidade. "Homens circulam e se sentem
mais parte da cidade do que mulheres. Cinco em cada dez mulheres não se sentem
seguras de chegar tarde em casa e três em cada dez jovens LGBTQIA+ não se
sentem seguros no bairro onde moram", observa Emilly Carvalho, que integra
a Rede Conhecimento Social.
Perseguindo os sonhos
A pesquisa também se
interessou por saber quais as expectativas, afinal, dos jovens que vivem na
capital. Um total de 34% deseja ter uma casa própria, enquanto 31% pretendem
trabalhar com o que acredita e 18% querem trabalhar por conta própria. Um
quinto deles (20%) sonha em fazer uma faculdade e 18% deles estarão
satisfeitos se tiverem um emprego e um salário que cubra o pagamento das
contas.
Somente 17% têm no horizonte a
construção de uma família. A maioria (98%) acredita que vai conseguir alcançar
seus sonhos, com a força que José Ricardo Paiva sugere que tenham e
contrariando as famílias de metade deles, que já se sentiram desacreditados diante
delas: "Não deixar a quebrada onde a gente mora ser um cemitério de
sonhos."
Agência Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário