O número é alarmante: 11,5
milhões de jovens entre 15 e 29 anos não trabalham nem estudam no Brasil - ou
seja, é mais que a população de Portugal inteira. Chamado de nem-nem, esse
grupo cresceu de forma exponencial nas últimas décadas até atingir o auge na
pandemia, de cerca de 30% da faixa etária. Esse número caiu para 23% da
população no primeiro trimestre deste ano, segundo dados da FGV Social.
Apesar disso, a proporção de
jovens nessa condição está acima da média internacional. No ano passado, o
relatório Education at a Glance 2022, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostrou
que o Brasil tinha o segundo maior porcentual de jovens entre 18 e 24 anos que
não trabalhavam nem estudavam.
Reverter essa situação, no
entanto, não é uma tarefa fácil nem rápida. Envolve uma mudança estrutural
na educação do País, que há anos vem deixando a desejar,
segundo especialistas. Na avaliação de Naercio Menezes Filho, coordenador
da Cátedra Ruth Cardoso e professor do Insper, o País precisa melhorar a
qualidade da educação em todos os níveis - do ensino básico ao médio - e
garantir que os jovens tenham condições de completar o ensino superior.
Com o avanço da escolaridade,
o Brasil viu aumentar o números de jovens que completam o ensino médio, mas os
estudantes acabam ficando num “limbo”, de acordo com Naercio. “Muitos não vão
para o ensino superior, e também não encontram o emprego que gostariam, um
pouco mais qualificado.”
A questão é que a escola não
prepara o estudante. O economista Vandyck Silveira, CEO da edtech Humaitá
Digital e sócio da Mind Academy, afirma que o País tem hoje 47 milhões de
alunos no ensino fundamental e apenas 8,5 milhões no médio. Ou seja, a evasão
escolar entre o ensino fundamental e o médio é grande. No ano passado, um
estudo feito pela Firjan Sesi mostrou que 500 mil jovens acima dos 16 anos
largam os estudos anualmente.
E mais: apenas 7 em cada 10
brasileiros concluem essa última etapa da educação básica até os 19 anos,
índice que deixa o Brasil atrás de países latino-americanos como a Costa Rica,
a Colômbia e o Chile. “Os estudantes não encontram respaldo na educação formal.
O ensino brasileiro é um ensino fidalgo, que ainda tem literatura portuguesa,
análise sintática, coisas acadêmicas”, diz Silveira.
Na avaliação dele, uma medida para
ajudar esse público “nem-nem” seria colocar um modelo profissionalizante, onde
o adolescente sai da escola com uma competência para fazer algo específico,
capaz de dar uma perspectiva de futuro. “Para se ter ideia, o salário de uma
pessoa que tem ensino médio chega a ser quase 40% superior a de quem não
terminou o ensino médio.” Hoje, diz ele, com a digitalização tudo ficou mais
simples para seguir esse caminho.
Mão na massa
A educadora Cláudia Costin,
presidente do Instituto Singularidades, tem pensamento semelhante.
Recentemente, ela criticou o modelo de ensino no Brasil. “Em primeiro lugar,
tem de parar com essa história de quatro horas de aula por dia. Nenhum país que
se industrializou tem quatro horas de aula por dia, mas, sim, de sete a nove
horas”, afirma ela, que foi diretora de Educação do Banco Mundial.
Para a especialista, não basta
ter aula, é preciso ter laboratório, experimentação. “É uma educação mais mão
na massa. E evitar essa educação conteudista, em que o professor despeja um
conteúdo e não ensina os alunos a pensar”, acrescenta. Segundo ela, no contexto
de automação acelerada, digitalização, inteligência artificial, é preciso
educar para duas coisas simultaneamente: desenvolver o pensamento crítico e o
criativo. “Precisamos educar os alunos para serem pensadores autônomos e
criativos.”
Para Naercio Menezes, seria
importante também que os currículos escolares contemplassem as habilidades
socioemocionais. “A gente vê pelos dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) que,
ao longo da prova, os alunos vão desistindo. Não têm perseverança,
persistência. É preciso desenvolver essas habilidades.”
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Hoje a situação mais grave de
nem-nem está entre as mulheres, de acordo com dados da FGV Social. Na população
de 15 a 29 anos, a fatia de brasileiras que não trabalham nem estudam alcançou
29,2% - bem acima dos 16,95% dos homens. “Muitas mulheres acabam tendo filhos
mais cedo (e isso tira muitas delas do mercado de trabalho e das escolas).”
Na pandemia, o porcentual de
mulheres nem-nem chegou perto de 37%, mas em dezembro do ano passado recuou
para 26,95%, o menor da série histórica, afirma Marcelo Neri, diretor do FGV
Social. Segundo ele, o Brasil teve na pandemia o maior contingente da história
de jovens nem-nem. Mas esse porcentual deve cair pela metade até o final do
século, resultado da demografia.
Na avaliação de Neri, essa
geração está sacrificando o presente e o futuro. “Logo, o futuro do País está
comprometido pela falta de quantidade de jovens e pelo tratamento de baixa
qualidade dado à juventude.”
Outra forma de resolver a
questão dos nem-nem está ligada ao crescimento da economia. Desde 2013, o País
não consegue encontrar o caminho da retomada consistente. Entre 2017 e 2019,
o Produto
Interno Bruto (PIB) cresceu numa média de 1,4% ao ano –
resultado muito abaixo da capacidade. “Para empregar todos os jovens que entram
no mercado de trabalho, o Brasil precisaria crescer, pelo menos, 3% ao ano”,
diz Silveira. “Estamos ficando definitivamente para trás.”
A cada ano, afirmam os
especialistas, novos estudantes se formam e não conseguem ser absorvidos no
mercado, o que cria um bolsão de nem-nem. Sem emprego nem renda, eles não
conseguem estudar e muitos param no meio do caminho. No final, o crescimento
dos nem-nem significa perda de produtividade e de capital humano.
Recentemente, em artigo publicado no Estadão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB) falaram s acima da média internacional. No ano passado, o relatório Education at a Gl obre algumas medidas que estão sendo estudadas para a área de educação. Uma delas seria garantir a formação dos jovens para o mercado de trabalho, com uma política nacional de educação profissional e tecnológica, além da implementação do novo ensino médio e modernização do sistema de aprendizagem. /COLABOROU ROBERTA JANSEN.
Estadão
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